Ao Sul Conduzi o Brasil
Quem visita Laguna hoje, com sua população girando em torno de 50 mil habitantes, não imagina a importância da cidade até 200 ou 250 anos atrás.
Embora haja vestígios de passagens de homens brancos pela localidade desde as primeiras décadas após o descobrimento, visto geograficamente ser um porto natural, Laguna foi fundada, como povoamento, por bandeirantes paulistas de São Vicente, que já vinham em diferentes expedições descendo o litoral, fundando São Francisco do Sul e Nossa Senhora do Desterro, hoje Florianópolis.
Em 1676, chegou até ali o bandeirante Domingos de Brito Peixoto, já sujeito de posses, com seus filhos Francisco de Brito Peixoto e Sebastião de Brito Guerra. Junto com eles, índios, escravos e aventureiros colonos. Tratou de ganhar o terreno, de posse dos nativos, e erguer uma capelinha com a imagem de Santo Antônio dos Anjos. Como era hábito batizar as localidades sempre em nome de santos (como São Sebastião do Rio de Janeiro), fica assim chamada a localidade de Santo Antônio dos Anjos de Laguna.
Embora, coincidentemente, em Laguna terminasse a linha reta do Tratado de Tordesilhas, que definia o fim do território português, isso não impediria o avanço bandeirante, que se aventurava Brasil a dentro. Mas Domingos de Brito Peixoto voltou para São Vicente.

Estátua de Francisco de Brito Peixoto, em Laguna. Seus restos mortais estão na Matriz da cidade.
Mais tarde, o filho do fundador, Francisco de Brito Peixoto, voltou para abrir caminhos e picadas em direção ao Rio Grande de São Pedro, atual RS, e às campanhas de Buenos Aires. Em busca de minas de prata que se especulava existir nessas regiões, os exploradores deram de cara com outra riqueza: bois e cavalos criados soltos por mais de um século, resultados da implantação (e também posterior destruição) das missões jesuítas na região. O imenso rebanho atraiu colonizadores, dispostos a se instalar em um lugar ainda distante e ermo, porém com imensas possibilidades de enriquecimento.
Laguna virou então o principal pólo irradiador da colonização do território riograndense. Na história de várias cidades do RS têm-se os colonizadores paulistas e lagunenses como elementos fundadores. Dali partiam os desbravadores e colonos, e para ali voltavam o couro, o boi ou o charque, que pelo porto partiam para São Paulo.
A autonomia dos tropeiros não poderia depender do transporte marítimo. Transportar “boi em pé” em barcos não era produtivo. Então desde cedo buscou-se fazer uma trilha por terra que saísse das campanhas gaúchas até Sorocaba, então principal ponto de comércio de gado “em pé”. Logo que o “caminho dos tropeiros” foi definitivamente assentado, uma fabulosa trilha (repetida em tempos modernos deu mais de 1.700 km), a importância de Laguna nesse comercio começou a declinar.
Mas ainda foram de Laguna que partiram muitos regimentos e batalhões para os combates do sul, como a Guerra contra Artigas, a Guerra dos Farrapos e a Guerra do Paraguai.

A Batalha do Riachuelo, do catarinense Victor Meirelles.
Nesse cenário que Anita e se criou. Laguna estava ainda como destino de passagem de tropeiros e de embarque de cargas, mas talvez fosse um lugar de mais importância estratégica do que econômica.
Com a pacificação do sul, a definição das fronteiras e a estabilidade da colonização de todo o território riograndense, restou a Laguna seu porto protegido pelo seu estreito canal.
Mas no início do século XX, com a implantação de estradas de ferro e portos mais abertos, como o da vizinha Imbituba, a importância estratégica da cidade desapareceu. Durante muitas décadas, Laguna estacionou no tempo, cercada pela sua exuberante geografia, que enquanto a bordava de belezas, a impedia de qualquer avanço econômico. A vocação de Laguna seria turística, atividade que só se estabeleceria como força econômica décadas depois.
Talvez essa estagnação de atividades econômicas e esse “esquecimento” de Laguna pelo resto do país tenha sido a grande responsável pela preservação do casario e do conjunto arquitetônico que se mantém hoje como um valioso patrimônio. O progresso não chegou na cidade como uma onda de “novo” que derruba o “velho” impiedosamente. A situação obrigava o “velho” a se manter em pé, sem outra alternativa. Até que, quando o progresso enfim chegou, percebeu que o “velho” já tinha virado antigo, e o derrubar para modernizar seria um grande erro.
Provavelmente boa parte da população ansiava pela mudança, eu mesmo cheguei a ouvir, quando jovem, na época do tombamento do casario de Laguna: “É bom que tombem tudo mesmo, essas casas velhas, e construam coisas mais novas”. Nesse língua maluca que é o português, “tombar” de derrubar é a mesma palavra de “tombar” de inventariar, manter sob proteção histórica.
Para a alegria de futuras gerações, o “tombamento” da segunda opção foi o que prevaleceu.
Mas, lembrando a força e importância que Laguna teve na atual formação do Brasil, e da sua atuação fundamental na colonização da potência que virou seu estado vizinho do sul, o brasão da cidade, desenvolvido pelo Afonso d’Escragnolle Taunay (filho do Visconde de Taunay, e bisneto de Nicolas-Antoine Taunay, pintor trazido com Debret para o Brasil), traz entre outras coisas, a figura do bandeirante, do soldado Barriga Verde e a inscrição em Latim:
AD MERIDIEM BRASILIAM DUXI.
Ao sul, conduzi o Brasil.

Brasão de Laguna