Este blog foi criado para mostrar as curiosidades de se fazer um álbum de quadrinhos, sobretudo quando se trata de temas históricos. Como as minhas próprias dificuldades são o tema dos posts, seria injusto deixar esta página de fora. Ela mostra bem como uma página simples, a princípio, pode se transformar em um bom enrosco, como um quebra-cabeças.
Esta página é a introdução de Garibaldi na história. Mostra Giuseppe, ainda garoto, conversando com o pai.
Ambos são homens do mar, no caso, Garibaldi ainda um garoto com 14 anos mas já com água salgada correndo nas veias. Concebi a cena, que começa no último quadrinho da página anterior, com Garibaldi pai assinando a entrada do filho na marinha mercante. Eles conversam sobre assuntos que mostram mais ou menos a personalidade de cada um (o diálogo vai ser ocultado para preservar a surpresa), enquanto andam até o barco da família e pegam o mar. Sequência correta e simples para mostrar um pouco sobre eles.

Domenico Garibaldi assina o ingresso do filho na Marinha Mercante

Eles conversam e acabam no mar.
Mas aí o que acontece? Vem a pesquisa e te derruba todo.
Há uma praça em Nice que se chama Praça Garibaldi, que fica a poucas quadras do porto, onde a família Garibaldi tinha uma casa. Isso eu já sabia. A praça tem até uma estátua de Giuseppe, em frente à igreja do Santo Sepulcro de Nice e teve diversos nomes entre 1780 e 1870, quando ganhou o nome definitivo. Imagino que Garibaldi passava por lá diversas vezes na sua juventude. Resolvi colocar a praça na sequência, pois é uma cena irresistível: o garoto andando pela praça que vai ter seu nome um dia. Temos então que mudar a ação: Garibaldi e o pai chegam de barco, no porto de Nizza, no primeiro quadrinho. Para isso, precisamos do porto de Nice da época, que já havia sido pesquisado, inclusive com sua rampa de desembarque.

Porto de Nizza, a casa da família Garibaldi ficava à esquerda, fora da imagem. O desenho pode ser de Matania, mas não estou certo.

Como funcionava o porto, com suas rampas de embarque-desembarque, em obra de Isidore Dagnan.

Detalhe da rampa.
Claro que precisamos de imagens da Praça Garibaldi na época (que se chamou Praça Vittorio, Praça República, entre outros nomes). Também é necessário imagem da Igreja do Santo Sepulcro, em Nice, em 1821, já que ela teve a fachada modificada posteriormente.

Praça em 1855, com as feições originais de 1780. Jacques Guiaud.

Santo Sepulcro original, Clement Roassal
O cenário está pesquisado. Mas certamente, nesta época haveria muitos soldados e guardas do Rei do Piemonte e Sardenha circulando pelas rua, e já que pai e filho têm um diálogo político, os guardas devem aparecer para mostrar uma certa repressão. Achei um imenso arsenal de imagens de exércitos de várias épocas no arquivo virtual da Biblioteca Pública de Nova Yorque. Estes são os uniformes de soldados e oficiais que circulavam por Nizza e Piemonte Sardenha entre 1820 e 1821 (Reis Carlos Alberto e Carlos Felix).

Arquivos da NYPL (The Vinkhuijzen collection of military uniforms)

Arquivos da NYPL (The Vinkhuijzen collection of military uniforms)
Já tinha então o suficiente para colocar pai e filho conversando na Nizza da época, e, com mudanças nos diálogos, finalmente a sequência pode ser feita.

Garibaldi pai e filho chegam ao porto...

e conversam pela cidade.
No fim das contas, uma página que demoraria um dia para desenhar e resolver, demorou mais de uma semana pesquisando uniformes e construções.
Tem aquela velha frase, preferida dos despachantes: pra que facilitar se podemos dificultar?