Se você perguntar a cada desenhista o seu processo de trabalho, vai encontrar, talvez, uma resposta diferente para cada autor perguntado. Existem excelentes escolas de quadrinhos e livros falando sobre isso.
Não há uma forma “correta” de processo, passo a passo. Cada um vai inventando o seu jeito, de acordo com preferências e deficiências.
O meu processo, pelo menos neste álbum que é histórico, com sua seqüência cronológica um pouco mais rígida, está sendo assim:
1- pesquisa-se a história toda que se quer contar. Vão acumulando 10, 20, 30 livros e impressos, cheios de post-its.

2- paralelo a isso, ou um pouco depois de começar, faz-se uma lista, ano a ano, de todos os acontecimentos e coisa relevantes à história. Uns chamariam isso de “escopo”, outros de “efemérides”, nomes feios, eu prefiro chamar de listão. Neste momento, é importante saber que nem tudo vai entrar na história. Na verdade, talvez nem 10% do que você colocar no “listão” vai entrar no final, mas é importante ter as informações ali. Esta parte é bem trabalhosa, porque aqui tem informações que não “batem”, uma fonte diz uma coisa e a outra não confere, e você tem que fazer triangulações entre várias livros e fontes até achar o dado correto, ou aquele que você acredita ser o mais coerente.

3- quando se tem (ou se acha que tem) informação suficiente, dá pra começar a colocar a coisa em forma de roteiro. Volta-se às fontes para pegar detalhes, há um aprofundamento já pensando na “ação”, em “como” a coisa vai ser contada. Também é importante lembrar que isso é um rascunho de roteiro. As informações que vão entrar não são definitivas, esse processo tem muito de leva e traz. Na hora de distribuir nas páginas e colocar diálogos, escolher o fluxo de imagens e as quebras de página, tudo isso pode ter que se transformar. Com alguns anos de prática fazendo roteiros para si para os outros, a gente acaba ganhando um certo traquejo. Nessa hora é que aparecem as idéias e soluções para “como” contar a história. Crescem alguns personagens, outros são descartados, outros criados para exercer uma “função” específica. Muitas vezes você se surpreende com as soluções que tem que encontrar.

4- e você me pergunta: e o desenho? Bem… nessa hora, se você for um desenhista típico, com grafite nas veias, provavelmente já fez vários aperitivos e estudos dos personagens e dos quadros, talvez uma arte final de alguma cena que você adorou. Desenhos “inspiracionais”, ou os chamados concepts, também são usados, pra dar gostinho e uma “cara” ao projeto. Se você é assim, tenho inveja de você.
Desenhos acabados e finalizados, fiz 5 páginas “prontas” no projeto que enviei para a Secretaria da Cultura do Estado, que podem ou não entrar no roteiro final. E fói só. Mas agora, com 60% do roteiro escrito, senti necessidade de ver a coisa “espalhada” no papel, paginada em balões, pra ter uma idéia do fluxo e da arrumação geral, e também, como encaixar o roteiro dentro do limite de páginas.
Também há algumas questões: qual o tamanho do corpo da letra? Qual o espaço dos textos nas páginas, combinado com as imagens?
Nesse caso a minha solução foi essa: eu monto as páginas de roteiro todas no computador, já na proporção da medida final, espalhando os “balões” com texto em “quadrinhos” inexistentes, imaginando mais ou menos a cena que vai acontecer. Não há desenho ainda, mas dá pra fazer a história fluir. Planejo as quebradas de páginas e enxugo ou acrescento texto quando necessário. Eu “vejo” a pagina pronta, apesar de serem só blocos de letras espalhadas. Quando eu tiver os desenhos, vou colocando embaixo dos textos e apenas ajeito a diagramação.

5- depois disso posso imprimir essas páginas, espelhadas em 2 (como qualquer livro que se abre para ler), com páginas ímpares à direita, em tamanhos bem pequenos (8 paginas por folha A4), com o texto quase ilegível, apenas como referencia para fazer os primeiros esboços. Facilita a etapa do desenho. É importante saber suas deficiências, para elimina-las ou criar condições para que elas não te atrapalhem.

6- em uma folha A3 faço a versão aumentada dessas miniaturas, com uma rabiscada que só faz sentido para mim. Não é nenhum desenho ainda, mas eu já posso ver ali os problemas que vou enfrentar, esboçar alguma composição interessante, mexer no roteiro para que as viradas de páginas (quando você sai de uma página ímpar e vira para uma página par do outro lado) sejam valorizadas (suspense, surpresa, etc).
Aqui a HQ está começando a virar papel.
Depois, na hora de desenhar pra valer, tem outra pesquisa: de roupas, de objetos, geografia, animais, embarcações, armamentos, etc…
Mas agora, é nesse estágio que está Anita: 60 a 70% do roteiro pronto, jogado em páginas diagramadas, que viraram um monte de rabiscos.

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